Gosto do humano porque é interminável. Para o bem e o mal, infelizmente. Sob certas condições, ou necessidades, o homem tem uma pluripotencialidade divina. Capaz de ir das epifânias de Beethoven às profundezas do pagode genital, da lua ao genocídio motivado pelo poder. Talvez da esperança- esta força motriz da persistência- de que tenhamos nos livrado das nossas piores pulsões, como pensa Freud, é que advém nosso espanto com a violência, crueldade e frieza, cada vez mais cotidiana. Entretanto, creio - e não nos enganemos-, como dizia Hobbes, que “Homo homini lupus", o homem é o lobo do homem. Ele tem o poder de destruir a si próprio, mas não só a ele como o outro ao seu redor.
Afastado os controles sociais, a repressão moral estabelecida por leis, religiões, códigos, ou rebaixado este nível de controle, vicejam feito mariposas no fétido, os nossos mais baixos comportamentos. Os exemplos se multiplicam com seus odores: o desvio de mantimentos numa ajuda humanitária, o estupro de crianças pós tsunami na Ásia, a pederastia em religiosos, a pedofilia ilimitada, a exploração dos vícios, a moqueca de jiló e o uso da calça sarouel.
Vivemos, coletivamente, um tempo delicado. Se antes nosso padrão de gostos e comportamentos eram centrados numa minoria, a universalização da comunicação e do consumo, inverteu este fluxo, hoje submetido as escolhas da maioria e a sua linguagem. Ainda assim, o individualismo, ou voltando a Hobbes, "Bellum omnium contra omnes", a guerra de todos contra todos, aliado a falência de modelos econômicos e politicos existentes e a extensão dos limites morais a um padrão de relatividade nunca visto, tornam os metódos validados pelos resultados. Os fins estão, absolutamente, justificando os meios.
No Brasil, desde o primeiro pau-brasil descoberto ao mais recente vencedor pau de arara, a tolerância, cumplicidade, e acomodação, se tornaram praxe. O poder tornou-se não um espaço de realização do imaginário da grandiosidade humana, vá lá, iluminista, para torna-se apenas um meio de locupletação cínica, ilimitada, praticada no escurinho dos atos secretos, nas contas do exterior, no superfaturamento das notas falsas, na ocupação usurpadora dos cargos e verbas públicos. Os escândalos do Senado, simbolizado da forma mais completa por seu presidente -entre tantos outros-, com o desprezo pela opinião pública, ações para intimidar a imprensa e estudantes, são apenas o rugir intestinal da maioria da classe política. Neste contexto, o apoio que o Presidente da República lhe dá, só não é de estarrecer porque há muito ele abandonou o discurso ético, a chance de ser um estadista, para se tornar um negociante do submundo partidário.
A generalização destas práticas dissemina seu veneno, nacionalmente. Como a justiça, por vezes leniente, apresenta uma diversidade amazônica de recursos que impedem a condenação dos poderosos os imorais atos dos dirigentes e seus “ cangaceiros de terceira” margeiam a impunidade.
Com os grupos organizados desmobilizados pelas generosas verbas oficiais e a cooptação sedutora das benesses do poder, a sociedade não consegue vencer seu imobilismo, mantendo-se letárgica, indiferente, ou aquém da indignação necessária, até porque o descrédito contamina a fé nas lideranças politicas.
Fé, aliás, que é explorada de outra forma pelo mercantilismo religioso, patricado por líder que usa verbas de fiéis para o enriquecimento pessoal e as custas de uma isenção de impostos que não temos.
Carlos Lacerda dizia que “ a impunidade gera a audácia dos maus” . Cabe a nós nos mantermos à espreita do lobo, exigindo atitudes firmes da justiça, pois, muitas vezes, vivemos de fazê-la com as próprias mãos, ou nas páginas dos jornais. Isto não satisfaz, nem sacia. E, por escasso, não basta.